Acabou a Lua-de-Mel de Lula com os Servidores Públicos?

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Causou-me bastante estranheza o ataque desferido pelo ex-presidente Lula a uma parcela tão significativa do eleitorado do PT (e demais partidos linhas auxiliares) na última quinta-feira. Ver o mais novo denunciado pela Lavajato desagradando eleitores bovinamente fiéis como os servidores públicos concursados (em sua esmagadora maioria) foi deveras inesperado, especialmente porque, neste momento, ele precisaria angariar apoio, e não desgostar parte de seu público cativo, sempre tão grato pelos inúmeros certames realizados durante seus dois mandatos, e pelos gordos reajustes concedidos. Desde então, diversas foram as reações ao discurso inflamado, mas acredito não ter visto nenhuma que tenha acertado o real motivo da indignação de Lula. Senão vejamos:

– Lula estaria, de fato, enciumado com o fato de que “servidores passam no concurso e só ficam esperando a aposentadoria”? Não creio: o maestro do Petrolão já recebe mais de oito mil reais mensais apenas como indenização por ser sido anistiado político, e ele sabe que as regras para aposentadoria de parlamentares são extremamente benéficas. Para se ter uma ideia, o Deputado Tiririca, caso queira voltar ao circo depois de findado seu segundo mandato, pode requerer aposentadoria de quase nove mil reais. Inveja de quem precisa trabalhar 35 anos, definitivamente, não foi;

– Lula teria sentido uma pontinha de inveja de quem cursou o ensino superior? Improvável: Lula sempre se gabou de não ter estudado e, ainda assim, ter assumido o mais alto posto da República. Além disso, ele já foi agraciado, por professores universitários militantes da Esquerda, com diversos títulos de Doutor honoris causa. Inveja de quem ralou muito estudando é impossível;

– Lula acha errado ser julgado por “analfabetos políticos que não sabem o que é um governo de coalizão”? Bom, Dilma também não sabia, a tal ponto que conseguiu desfazer toda a base de apoio construída por seu antecessor no congresso nacional. Entretanto, ele seguiu até o último instante tentando impedir seu impeachment, oferecendo benesses a partir de seu bunker no hotel Royal Tulip. Então não foi isso;

– Lula gostaria de não precisar encarar o público e ser chamado de ladrão a cada eleição? Difícil acreditar: Luiz Inácio é praticamente um palanque ambulante, e sua habilidade de soltar disparates e bravatas com um microfone na mão é diferenciada. Claro que seria ótimo ficar Ad Eternum no poder como os camaradas irmãos Castro, mas eu duvido que ele não se divirta a cada dois anos tentando eleger seus postes;

Eis o que tenho certeza que despertou a ira de Lula: tanto Procuradores do MPF quando Juízes Federais não só são estáveis na carreira (não podem ser demitidos sem justa causa) como são inamovíveis, isto, é, não podem ser transferidos de seu local de trabalho sem que tenham requisitado tal remoção. O sonho de Lula seria encostar em algum apadrinhado político seu e exigir a exoneração tanto de Dalton Dalagnoll quanto de Sérgio Moro, ou, se estivesse de melhor humor, apenas pedir que ambos fossem mandados para o Oiapoque. Ou para campos de concentração, se estivesse em Cuba.

Mas ele não pode. Por quê? Ora, os dois são concursados. Não foram, portanto, nomeados como retribuição de favores (moeda de troca eleitoral), e não podem, por isso, serem demitidos ao bel prazer de qualquer autoridade. Tais prerrogativas (dentre outras previstas no estatuto da Magistratura e na lei orgânica do Ministério Público) possibilitam que estes agentes de imposição da lei batam de frente com pessoas poderosas e bilionárias sem temer represálias de qualquer natureza. Ou alguém discorda que, se assim não fosse, Marcelo Odebrecht & Cia já teriam mexido os pauzinhos para acabar com a carreira de todos os membros da Lavajato?

O concurso público visa atender aos princípios constitucionais da eficiência e da impessoalidade. Pode-se discordar do número de concursos realizados na última década (que incharam o Estado, gerando muita despesa permanente, e criaram uma verdadeira indústria de cursos preparatórios, afastando muitos profissionais gabaritados da iniciativa privada) ou do formato adotado (muitos defendem que as seleções, atualmente, não privilegiam os melhores profissionais), mas triar os candidatos é essencial, até mesmo para permitir que qualquer pessoa possa desempenhar uma função pública – ainda que não possua qualquer indicação política e seja oriunda de famílias de baixa renda.

Mas Lula, se pudesse, gostaria de indicar todo e qualquer funcionário público dos três Poderes, e utilizá-los livremente como peças do seu esquema criminoso de poder (tal qual afirmou o STF no julgamento do Mensalão), como fez, como singelo exemplo, com Paulo Roberto Costa na Petrobrás. E está espumando de raiva porque assim não é. Por que o Maduro pode mandar prender seus desafetos e eu não posso? #chateado.

É claro que alguém poderia alegar que a estabilidade é uma prerrogativa que não deveria ser estendida a todos os funcionários públicos – e eu irei concordar. Apenas autoridades que necessitam de muita autonomia e independência no desempenho de suas funções deveriam usufruir deste direito/garantia. Caso contrário, fica muito difícil reduzir a folha de pagamento da administração pública em momentos de recessão. Todavia, não se pode duvidar que, não fossem estáveis os membros da Lavajato, e a capital do Paraná jamais teria se transfigurado na República de Curitiba.

Lula está claramente perdido. Tentou dar um tiro no próprio pé, afugentando alguns de seus últimos apoiadores. Mas nem tanto. Certamente, a maioria dos servidores públicos vai fabricar alguma justificativa para as frases desmedidas do ex-presidente, contemporizando seu discurso. Quem sabe podem até levar bolo para ele na Papuda.

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3 comentários sobre “Acabou a Lua-de-Mel de Lula com os Servidores Públicos?

  1. O PT nunca gostou de concursados principalmente os de alto nivel que tem função típica de estado.
    Em resposta a constantes ataques escrevi em fev 2004 o seguinte texto que republico agora:

    Ditadura do Legislativo

    Este parágrafo do artigo do Gaspari diz tudo:

    “Os servidores públicos brasileiros sofrem um processo de satanização que dura mais de uma década. Nisso Collor, FFHH e Lula formaram uma trindade. Deram à palavra servidor o sentido de privilegiado, marajá e, no limite, vagabundo. Quando olharam em volta, tinham desmanchado a máquina do Estado. O Brasil deve, e muito, à sua burocracia. Às vezes ela é autoritária, burra e aproveitadora. No essencial, contudo, é uma defensora do interesse público. “

    Ao que eu acrescento :

    Não fosse a Burocracia (O verdadeiro Quarto Poder – a parte do Executivo que não é eleita por votos, mas de carreira, e que não foi contaminada pelo crime organizado), o Brasil já teria sido vendido muitas vezes como peixe em barraca de feira.

    Essa “rearrumação” afobada do Estado nada mais é do que outra tentativa de dominar a Burocracia, só que agora com cobras por eles criadas, ou seja, um corpo de funcionários quase que totalmente contratados nesta nova “era” e engajados no trem dos atuais detentores do poder. Quase um crime organizado. Patrocinado pelo Legislativo.

    Aliás, golpe de inteligência suprema, vez que conseguiu enganar milhões de “companheiros” ( os idiotas úteis da esquerda) durante mais de 20 anos, e fazer com que trabalhassem para eles por um simples ideal, sem qualquer custo de ordem material. Gente : é como serão os golpes de agora para a frente, portanto, não se enganem. Nesse ínterim a memória das organizações que compõem o aparelho estatal já foi para o vinagre, facilitando assim, e muito, a moldagem do que está por vir.

    Mas a história conta que isso nunca aconteceu. Opa, engano meu, aconteceu nos
    regimes comunistas, e deu no que deu !!!!

    O jornalismo tem que ir mais fundo na análise do que está acontecendo com o
    PT/Governo/ClassePolítica, para descobrir coisas que realmente são passíveis de ocorrer, como essa que citei acima, ou aquelas que o Chico de Oliveira vive dizendo e parece que ninguém ainda entendeu como, por exemplo, a nova classe que diz ele ter surgido com o sistema de planos de pensão, que é a mais pura realidade, mas coisa que muito poucos enxergam, porque requer uma visão e bagagem, até mesmo talento, que não existe sobrando por aí.

    Essa nova classe deu um passa moleque nos banqueiros e ficou com a maior fatia do bolo do mercado financeiro, que é a previdência privada.

    Os bancos privados nunca operaram firme nesse mercado – só o suficiente para estarem presentes. E se ferraram, pois os líderes sindicais que administravam os verdadeiros fundos de pensão, se uniram com alguns políticos hoje no alto comando, na calada da noite, e deram o bote, enganando absolutamente todo mundo.

    Quem foi enganado?

    Todos: políticos que não estão no barco, banqueiros, sociedade civil, militares, empresários, trabalhadores privados, imprensa, todos enfim, com exceção dos famigerados Funcionários Públicos Civis das 3 esferas, principalmente o pessoal mais qualificado, que botou a boca no trombone e foi defenestrado pelo poder e pela sociedade. E pela imprensa.

    E são justamente aqueles que formam a estrutura da Burocracia, tem
    instrução de alto nível, formação e qualificação profissionais
    especializadas em administração pública, profissionais de carreira
    compromissados legal, moral e eticamente, com o Estado.

    Juízes, auditores, delegados, fiscais, e de diversas outras carreiras
    típicas de estado, que nunca poderão ser terceirizadas, mas que arriscam
    suas vidas cotidianamente para o bom cumprimento do dever e,
    principalmente, da lei, para que o Estado não seja tomado de assalto pelo
    crime organizado.

    Depois de tudo isso pode-se facilmente concluir que isso é uma operação
    muito bem orquestrada pelo próprio legislativo, em sua ânsia de poder, para
    detonar os outros poderes e colocá-los a seu absoluto serviço e vontade, ou
    seja, Executivo(a estrutura burocrática), Judiciário e MP.

    Isso é a Ditadura do Legislativo. Quem diria, não?

    René S. Bozzo
    MG, 06/02/04.

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