Número de ações trabalhistas no Brasil reflete incompatibilidade entre lei e vida real

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O chef francês e jurado do programa Masterchef Erick Jacquin afirma que nunca mais na vida vai assinar uma carteira de trabalho e critica a legislação trabalhista brasileira, alegando ser ela a grande vilã para empreendedores com seu perfil – que precisam de mão-de-obra bastante especializada.

Mulher causa polêmica ao oferecer moradia em troca de serviços domésticos, e alega, em sua defesa, que “não tinha condições de pagar uma babá registrada, com o décimo terceiro e férias”.

Juiz de Minas Gerais decide que motorista possui vínculo empregatício com o Uber, e manda a empresa pagar todos os salários e demais benefícios retroativamente ao reclamante.

Pergunta: o que essas três histórias acima elencadas têm em comum?

É evidente: elas demonstram o quanto nossa deveras rígida legislação trabalhista e o mundo real em constante transformação e muito diversificado no qual vivemos estão apartados um do outro.

É notável a disparidade entre os contratos de trabalho possíveis de serem celebrados entre as partes interessadas, dadas as peculiaridades de cada situação específica, e aqueles exigidos pela norma como “patamar mínimo civilizatório” a ser observado.

Tal diferença entre as contraprestações laborais determinadas pelo Estado (dotadas das mais diversas denominações, mas todas indo parar na mesma folha de pagamentos) e os custos com que efetivamente podem arcar os contratantes não deixa de existir somente porque o Congresso Nacional editou leis sob pressão de certos grupos de interesse – entidades de classe em sua maioria. O papel aceita tudo, mas a matemática financeira é implacável.

Se alguém contrata duas empregadas domésticas para cuidar de um pai idoso em sua residência (formalizando seus vínculos empregatícios conforme reza o ordenamento jurídico), mas ante nova regulamentação estatal regendo tal atividade – prevendo equiparação total com os demais trabalhadores celetistas – vem a  perceber que pagar as duas senhoras (bem como perder tempo preenchendo formulários online) sai mais caro e gera mais transtorno do que hospedar o pai na melhor clínica de repouso da cidade, de duas uma:

A) O arranjo entre estas pessoas será reformulado à margem da lei (sob cláusulas distintas das regulamentadas pelo Parlamento, na informalidade);

B) Ou elas serão despedidas e o velhinho irá para a clínica.

E não há passe de mágica que tecnocrata algum possa fazer para mudar este cenário. O interesse mútuo de empregados e empregadores vai sempre buscar atingir um ponto de encontro entre a demanda por aquela mão-de-obra e sua oferta no mercado – seja por meio de negociação individual ou coletiva -, quer gostem os planejadores e engenheiros sociais ou não.

Se preciso for (leia-se: para que o empreendedor não fique sem a força de trabalho de que necessita e os trabalhadores sem dinheiro algum), ambos irão desconsiderar a CLT e acordar condições mais condizentes com as circunstâncias as quais estão submetidos.

Só que tal pacto costuma manter-se de pé apenas durante a vigência do contrato de trabalho.

Tão logo cessa a prestação de serviços, o caminho está livre para que tais trabalhadores busquem, junto ao Judiciário, a compensação pelo tempo em que trabalharam regidos por acordos menos benéficos do que os previstos em lei – sejam aqueles formal ou tacitamente (de maneira não expressa) firmados.

Eis aí desnudado o ciclo que atulha de processos nossas instâncias julgadoras: a iniciativa privada está sempre sufocada pela tributação, pelo excesso de burocracia, pela indevida intervenção governamental na economia e pela logística capenga do Brasil; em decorrência, ela gera menos empregos (e pior remunerados) do que são demandados pela população economicamente ativa; assim, aos indivíduos não resta opção senão aderir a quaisquer condições impostas pelo empregadores; tão logo finda a relação de emprego, todavia, eles recorrem ao Estado para que determine o adimplemento das diferenças salariais eventualmente havidas.

Tal fenômeno acentua-se ainda mais na medida em que apenas a União Nacional possui competência constitucional para editar normas de Direito de Trabalho. Ou seja, as singularidades regionais, uma vez desprezadas no processo legislativo, acabam por criar contrastes ainda maiores entre o que dispõe o Congresso Nacional como baliza a ser seguida e as obrigações efetivamente assumidas nos contratos reais de trabalho celebrados nos rincões Brasil afora.

Como se São Paulo e Tangará da Serra pudessem compartilhar o mesmo regramento jurídico (elaborado em Brasília de forma a ser cumprido uniformemente no país inteiro) sem gerar fortes contradições com os costumes locais – a matéria-prima para que mais conflitos irrompam e precisem ser resolvidos no Judiciário.

E os efeitos maléficos advindos desta ciranda maldita impulsionada desde o início pela hipertrofia estatal são diversos e prejudicam, em especial, os próprios postulantes a vagas no mercado de trabalho.

1) No processo de recuperação de períodos de recessão, os níveis de emprego costumam ser os últimos a apresentarem melhorias, por conta do fundado receio dos empregadores em verem-se envolvidos em lides judiciais após rescisões contratuais, tal a insegurança jurídica em voga.

2) Empreendedores buscam incessantemente implantar mecanismos de automação em toda etapa da cadeia produtiva onde seja possível, já que máquinas não processam ninguém.

3) Cria-se um ambiente de desconfiança entre empregados e empregadores, o que constitui fator extremamente negativo para o desenvolvimento e o enriquecimento de uma sociedade, como bem explica Gary North neste artigo: a percepção de honestidade nas interações entre indivíduos guarda estreita relação com os índices de desenvolvimento sociais e econômicos.

4) Acionamentos judiciais descabidos viram tendência – uma verdadeira indústria de ações trabalhistas -, como a recente questão dos três jogadores filmados em masturbação coletiva em vestiário de clube de futebol, que foram sumariamente demitidos e viraram, aos olhos da imprensa “progressista”, vítimas de homofobia. O advogado dos atletas já prometeu ingressar na Justiça do Trabalho cobrando indenização por danos morais. Em caso de sucesso, mais acentuada restará a sensação de que nem mesmo a mais comezinha disciplina profissional pode ser exigida no ambiente laboral – péssimo para a a nossa já combalida produtividade nacional.

5) Mais gasto estatal acaba sendo justificado na implantação de novas varas judiciais, tendo em vista a crescente procura pela mediação de contendas.

E por aí vai.

Como diz o provérbio, o combinado não é caro. Após um mês de trabalho, o empregado confia que seu patrão irá lhe pagar o salário ajustado entre eles, tal qual um fornecedor entrega uma mercadoria para seu cliente e confia que este irá lhe pagar dali a trinta dias, como tratado entre ambos.

Nada mais natural, portanto, que existam entidades, tanto públicas quanto privadas, voltadas a fazer valer a palavra dos pactuantes – desde que eles próprios tenham voluntariamente estabelecido os termos (não apenas os padrões remuneratórios, mas também jornada de trabalho, férias e demais aspectos).

É claro que, com frequência, será mais vantajoso negociar de forma coletiva, especialmente ante empresas de grande porte. Ganha mais importância ainda, neste contexto, o pleito pelo fim da unicidade sindical – ou seja, pela possibilidade de que os trabalhadores possam optar entre diferentes organizações representativas (ou simplesmente decidir não filiar-se a nenhuma delas).

O fim do imposto sindical, aprovado no bojo da recente reforma trabalhista, é um importante passo neste sentido, pois quanto mais liberdade houver na deliberação das condições de trabalho, mais relevante torna-se a necessidade de livremente eleger quem sentará na mesa de negociação para falar pelos trabalhadores.

Por falar na aprovação da reforma trabalhista, que fique claro que a modernização por ela prometida ainda é bastante acanhada, no sentido de que tão somente os itens nela aventados poderão ser objeto de negociação entre as partes, e apenas dentro dos parâmetros estipulados pelo diploma legal.

Ou seja, a regra geral ainda é a prevalência do legislado sobre o negociado, abrindo-se algumas poucas (mas salutares) exceções, como a legalização do trabalho intermitente e do já praticado há tempos “acerto” na resilição de contratos.

Mas o ideal, dentro deste contexto, seria o oposto: que o normal fosse a primazia do negociado sobre o legislado, estabelecendo-se exceções em casos específicos – como limites para excesso de carga horária em trabalhos perigosos e insalubres, dentre outras situações.

Conclusão: a rigidez normativa desconectada de nossa móvel e díspar realidade não apenas é a principal causa do elevado números de ações trabalhistas, mas também contribui em muito para o desemprego. É esse desencontro entre o mundo idealizado em gabinetes parlamentares e a vida real quem também insufla um sem número de fraudes nas contratações de empregados, como, por exemplo, aqueles contratados como pseudo pessoas jurídicas – a famigerada “pejotização”.

Encerro com as palavras de Denis Rosenfield :

A autonomia dos indivíduos e de suas organizações, dentre as quais os sindicatos, é central em todo Estado pautado pelos princípios da liberdade. Deve a sociedade apropriar-se de sua liberdade de escolha, reduzindo a margem de arbítrio das intervenções legislativas impostas de cima.

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2 comentários sobre “Número de ações trabalhistas no Brasil reflete incompatibilidade entre lei e vida real

  1. Caímos constantemente naquela velha máxima: Leis inúteis, feitas por burocratas incompetentes que desconhecem a realidade e acham que toda a complexidade das relações humanas pode ser sintetizada e alguns artigos e incisos.

    O capitalismo selvagem com o patrão gordo e explorando o funcionário, de fato existiu. Mas nos primórdios da revolução industrial onde, até então, trabalhar em chão de fábrica era uma novidade em termos sociais. Vindo de uma sociedade rural, ninguém, repito, NINGUÉM, sabia muito o que esperar dali.

    As próprias cidades não estavam preparadas para essa massa de gente em busca de novos trabalhos. Não havia o conceito de especialização. A mentalidade ainda era o labor rural, bruto, constante. Daí de os donos das fábricas replicarem o mesmo modelo em suas empresas.

    Nesse terreno novo, fértil e ainda obscuro que as ideias de Marx floresceram.

    Porém com o andar da carruagem as abóboras se ajeitaram e os patrões descobriram que sugar seus trabalhadores até a morte não dava lucro. Pior, dava prejuízos (hoje tem-se uma nova revolução no modelo de relação patrão/empregado utilizado por start-ups do vale do silício que, a priori, tende a ser melhor do que o modelo padrão atual).

    Essa ideia de justiça do trabalho funcionou bem no Brasil de 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho. Hoje o mundo mudou, as noções mudaram, o zeitgeist é outro. Mas as soluções continuam sendo as mesmas de 1930.

    Mais triste é ver gente esclarecida (e nem me refiro aos trabalhadores aqui) defendendo esse modelo arcaico.

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