O Voto Tímido mais Assanhado da História da Democracia

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Em um grupo de Whatsapp do qual faz parte minha esposa, composto por amigos de origens diversas, tão logo Trump foi declarado o novo presidente dos Estados Unidos, foi reproduzido, no micro, o fenômeno que ocorreu no macro nestas eleições americanas – e deixou os institutos de pesquisa daquele país com cara de quem nem sabe de onde veio a bordoada: três pessoas, de um total de doze, acharam positiva para os americanos (e para o resto do mundo) a derrota de Hillary, mas (e aí mora o detalhe) só tiveram coragem de manifestar tal opinião no modo privado do aplicativo de mensagens; diante dos demais membros do grupo, ficaram receosos de admitir tal posicionamento, visto que a turma que atacava Trump era muito barulhenta e costumava rotular de “Bolsominion Yankee” quem criticasse Hillary.

Vale dizer: a patrulha politicamente correta obrigou, lá como cá, parcela considerável dos apoiadores republicanos a guardarem sua deliberação em segredo até o dia do sufrágio. Votar em Trump, seja pelo motivo que fosse, não constava da cartilha autoritária do bonde dos oprimidos, e não poderia, pois, ser considerada uma ação válida, ainda que fosse empreendida por indivíduos munidos de argumentos bem fundamentados.

Muitos adeptos do “make America great again”, desta forma, preferiram não informar aos pesquisadores sua real intenção de voto, nem mesmo por telefone, tal a sensação de condenação moral que foi gerada por estes atormentadores semiprofissionais. Deixaram para desabafar o que havia em suas mentes apenas diante da privacidade oferecida pela urna, tal qual uma pessoa religiosa procede diante do confessionário. Convencer os republicanos que era pecado votar em Trump deu nisso: surprise! E amém.

E a mesma lógica, em menor ou maior grau, aplica-se, sem dúvida, à aprovação do referendo para o Brexit e a reprovação popular ao “acordo de paz” com as FARC na Colômbia. Cria-se uma atmosfera em que somente uma visão é tida como apropriada e concebível, e as demais são reacionárias e fascistas, jogando, destarte, seus partidários para a penumbra, até que a cédula eleitoral jogue luz sobre a vontade destes indivíduos – e cause ataque de nervos nos jornalistas da mídia mainstream.

A discussão de diversos temas relevantes é permeada por esta mesma censura “progressista”, a tal ponto que, em certos casos, até mesmo propor um debate real sobre o tema é proibido. Hordas de muçulmanos sem documentos chegam incessantemente do Oriente Médio para a Europa? A única solução é escancarar as fronteiras do continente; sugerir quaisquer alternativas, como fortalecer o combate àqueles que estão obrigando estas pessoas a fugirem de seus de seus lares, soa ilegítimo para os verdadeiros detentores do monopólio das virtudes.

Como consequência natural, quando o “ultraconservador” Geert Wilders eleger-se primeiro-ministro na Holanda ou a “extrema-direita” Marine Le Pen sagrar-se presidente na França, toneladas de Rivotril serão consumidas por aqueles pegos de surpresa com tais acontecimentos – no caso, os mesmos que decidiram que ninguém poderia opinar em favor de tais fatos sem serem tachados de extremistas.

Esta é a diversidade defendida pelos “progressistas”: não podemos ter preconceito com visões de mundo diversas, a não ser que estejamos falando de liberais e conservadores. Neste caso, o preconceito contra o preconceito da esquerda é que será condenado veementemente. E assim eles seguem suas vidas enclausuradas dentro de suas bolhas ideológicas, e aqueles que tentarem furá-las podem virar alvo de excrementos humanos – triste e bizarra realidade. Esse pessoal sente ojeriza pelo povão e abomina as trevas do conhecimento onde ele vive, motivo pelo qual considera que pode ler meia dúzia de capítulos de Foucault e, caridosamente, determinar seu destino.

Quem sabe, quando houverem assimilado o golpe, eles entendam que o que o cidadão deseja é que o Estado seja bem gerido, para que sua vidas melhorem. Não à toa, João Dória, mesmo sem experiência alguma em administração pública, foi aclamado pelo eleitorado de São Paulo, em virtude de seu sucesso como gestor – e o mesmo raciocínio aplica-se a Trump. O que o candidato falou no vestiário não vai influenciar em seu desempenho no gabinete presidencial, e não vai provocar alta da inflação nem tampouco queda na PIB.

O João do caminhão não está interessado nos devaneios intelectuais forjados por acadêmicos iluminados pelo conforto do ar condicionado ligado no máximo, mas quer muito saber se haverá emprego, segurança e se ele vai ter dinheiro para o pagode no finde. E se ele não puder expressar seu pensamento livremente sem ser estigmatizado por predicados inomináveis, não há problema: ele vai ficar em silêncio. Mas não por muito tempo. Cedo ou tarde ele terá a chance de contar com o anonimato para materializar sua escolha sem correr risco de ouvir “você é um fundamentalista de direita”.

E lá está ele: o magnata nova-iorquino rumo ao cargo mais poderoso do planeta, muito graças a eleitores ao estilo mineiro, “come quieto”, que não precisam de alvoroço nem fazem questão de vencer discussões. Para estes, é suficiente ver a cara de choro e desalento daqueles mesmos déspotas supostamente esclarecidos e arrogantes, tão certos de suas premissas e tão confiantes na vitória. Aliás, salvo engano, uma das acusações contra o presidente Donald era justamente o ego inflado. Estranho, pois simplesmente desconsiderar a hipótese de que dezenas de milhões de pessoas possam estar certas, em detrimento da própria convicção tacanha, é que me parece soar bastante presunçoso.

Isso, aliás, lembra o Keynesianismo: o ciclo de gastos da economia esgotou-se e atingimos a estagflação? Taca mais gasto público e endividamento neste caldo, seu ministro da fazenda. No mesmo sentido, os jornalistas atordoados neste 9/11, em vez de procurarem rever seus conceitos, chegam à brilhante conclusão de que “há, de fato, muitos misóginos e racistas neste mundo, e a solução é…mais progressismo, claro!”.

Está caindo de maduro algum investidor desafiar a hegemonia da TV Globo na cobertura política do Brasil. Levando em conta a excepcional audiência obtida por veículos independentes na internet (podcasts, canais no Youtube, e por aí vai), seria quase como bater em bêbado levar esse pessoal para a televisão para concorrer com os Marinho. Resta saber se o governo federal concederia licença para uma TV “reaça” (ou mesmo para uma rádio como a de Dennis Prager). Talvez prefiram eles continuar tomando “sustos” pelos pleitos eleitorais da vida. 2018 vem aí, e quer queiram ou não aqueles que pensam deter a hegemonia do pensamento nacional, resultados inesperados podem estar sendo concebidos desde já. Assim espero!

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11 comentários sobre “O Voto Tímido mais Assanhado da História da Democracia

  1. A esquerda (dita ou autoproclamada “progressista”) entende muito menos de gente real do que ela pensa. Geralmente, estão mais preocupados com causas do que com pessoas.
    Um abraço.

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  2. Eu, como um bom mineiro que come quieto, risos, já sabia(sem querer ir na onda de falar isso só por que o Trump ganhou) que iria acontecer isso, e é um fenômeno que tem até nome, “maioria silenciosa”, que você espôs brilhantemente neste post e ja havia constatado via redes sociais que estava tendo alguma coisa errada e deduzi brilhantemente, sem nenhuma modéstia, que o Republicano ia vencer! O segredo do voto, ao contrario do voto de representatividade(Senadores, Deputados e Vereadores) que tem que ser sempre aberto, é uma ferramenta perfeita tanto para defesa quanto para ataque com o bônus da proteção da integridade fisica, psicológica e ideológica do cidadão! Ja o voto de representatividade ele sempre tera que ser aberto, pois um representante tem atras de si todo um grupo de representados que sempre estaram ali pra lhe dar suporte e se preciso para lhe defender! Parabéns, ótimo post! Até o próximo!

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  3. George Carlin, em um de seus geniais textos, diz que, hoje, ser homem branco é “ilegal”. Achei a síntese perfeita de como anda o politicamente correto hoje.

    Sobre o “trumpismo oculto”, acho que uma boa parcela entendeu já que chega um ponto em que a questão não é debater ideias, mas sim sobre DEFENDÊ-LAS. Elas só querem estar certas.

    Aos que apoiaram Hillary, o mesmo efeito, só que ao contrário, a questão não sobre defender a idefensável Hillary, mas sobre mostrar como a opinião delas é importante, não importa o quê defendam.

    No fim, tudo se resume ao ego. Ou como escreveu um certo sábio judeu: “vaidade de vaidade, tudo é vaidade”.

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    1. Sobre a questão de defender teorias de forma apaixonada (ignorando os chamados da razão), isso acontece muito em discussões sobre futebol – o que é aceitável, pois estamos falando de uma ação humana movida a emoção (não há motivo lógico para correr atrás de uma bola de couro, é apenas diversão mesmo, atividade lúdica). Nos debates políticos, miseravelmente, o mesmo vem ocorrendo, e a maioria das pessoas está apenas torcendo para suas ideologias tal qual faz com seu time – mesmo que seu atacante seja um perna de pau, ele seguirá apoiando da arquibancada, ainda que já esteja três a zero para o adversário. O povo latino tem como característica o “sangue quente” mesmo, mas um pouco de cabeça fria na hora de discutir política viria bem a calhar. Abraço

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  4. Brilhante texto, como sempre. Você resumiu perfeitamente a cabeça do “perfeito idiota latino-americano”, que ainda acusa o Trump de xenófobo, pois NUNCA ele deveria rejeitar quem quer matá-lo. É mole?

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